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quarta-feira, 29 de setembro de 2010
COLUNISTA - Elza de Mello
Nuances de Vidas
em Crônicas (61)
Não podemos amar ao que não conhecemos, afirmava Franklim Cascaes. É uma verdade corroborada por todos aqueles que se debruçam a buscar uma verdade enrustida em um projeto, em uma experiência ou em um propósito qualquer. A razão primeira para o amor telúrico é termos nascido na terrinha e, sonharmos em repousar o sono derradeiro naquele Torrão Natal. O amor telúrico é a mola que nos proverá de um capital ideal para administrar com altruísmo nossa vida, nossa terra e nossa gente.
Quem ama a sua terra, sabe cantá-la, louvá-la, administrá-la com serenidade e com capacidade. E o que fazemos com amor e por amor é a obra maior de nossa construção humana e social.
Içara não é apenas a cidade. Içara é um município e, consequentemente uma reunião de localidades, de bairros e de um Distrito. Pensar Içara é pensar o conjunto de lugares com a diversidade e peculiaridades, entre elas, os moradores. Há em cada comunidade, uma riqueza cultural a ser aproveitada, além da capacidade de produção econômica. Há toda uma memória coletiva que enriquece a história içarense. E essa memória é perceptível ao ser nomeada uma rua, um bairro, um logradouro ou uma praça. Eu louvo ao vereador que escolhe entre a memória do lugar, a nomeação das ruas ou dos lugares de memória. Não há, para o meu entendimento, nada mais frio e obscuro do que falar da Rua A, Rua J, Rua 7 ou Rua 23.
As ruas com data precisam ter o sentido histórico para não ser banalizados como um número ordinal. Um estudante não encontrará sentido ao falar de sua rua, como a Rua 7. Um morador não saberá justificar a razão de sua rua ser a Rua7, um professor não terá um perfil metodológico para que o aluno faça a história da Rua 7. Mas, se for a Rua 7 de Setembro, aí há todo um fato histórico e cívico que justificará a denominação.
Pois bem, minha fala está embasada na observação que fiz a minha filha quando saíamos do Centro, pela Rua Anita Garibaldi, a rua que lembra a nossa heroína dos dois mundos. Atravessamos a Rua Getúlio Vargas e pegamos a Natal Tassi. Ali minha memória buscou, com saudades, os resquícios do pomar do Tassi e a figura de dona Elisa no seu longo avental e a cabeça coberta com o lenço escuro de sua viuvez. Até a propriedade de seu Pedro Dal Pont, o pasto onde as vacas leiteiras pastavam tranqüilas remoendo a grama verdinha ou a erva fresquinha arrancada do quintal que foi invadida pelo loteamento. Onde havia a fonte para lavar roupas há uma rua alinhada com as casas ocupadas por pessoas que desconhecem a existência da vida, das conversas, das novidades divulgadas entre as lavadeiras. Havia um silêncio crucial no loteamento, ...ou na minha alma? As casas estavam fechadas e, os moradores estavam, provavelmente trabalhando àquela hora do dia. Passamos para a rodovia pavimentada e a paisagem era bem diferente daquela que conheci na cidade de Içara.. Meus pensamentos buscaram ao longe a passagem dos primeiros imigrantes para o povoamento da cidade de Içara. Ali foi erigida a primeira capela e o primeiro cemitério. O aceno da prosperidade que traria os trilhos do trem foi a causa primeira da mudança das famílias para mais próximo do Centro da atual sede do município.
A rodovia bem conservada e as mudanças ocorridas nas moradas são visíveis para a compreensão das mudanças ocorridas. Lembrei-me com certa nostalgia da figura do carreiro e do vai e vem do carro de bois que cruzava quase diariamente aquele caminho para abastecer de lenha as casas da cidade que naquele tempo tinham os fogões de lenha em suas cozinhas. Ninguém tomava o mata-bicho sem antes acender o fogo de lenha.
Seu Santos Valvassori percorria as ruas entregando a lenha e recebendo as encomendas de novas carradas com o apelo para uma lenha bem sequinha. A lenha verde era manhosa para pegar o fogo e enchia a casa de fumaça. Transtorno para a cozinha, um horror!
Hoje, o fogão à gás, as inovações tecnológicas, a facilidade de acesso aos bens de consumo sepultaram práticas de vidas que a minha geração conheceu com tanta propriedade. Mas, vale a pena recordar estes tempos para podermos valorizar o tempo presente, e preservar certos valores essenciais na construção humana e que vão sendo desvirtuados.
Até a próxima semana com mais um assunto de Nossa Terra, de Nossa Gente.
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