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quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Colunista Elza de MELLO

Aquém dos Trilhos Vidas em Crônicas (31)

Muito cedo eu conheci os meus parentes até graus irreconhecíveis nos dias atuais. Não sei de onde me vinha tal interesse, ou o porquê da possibilidade em manter contato com eles. O fato é que hoje ainda lembro com detalhes, e também com saudades, de pessoas que conheci na entrada de minha infância. E quando falo dessas pessoas, falo, com certeza, de nossa gente e de nossa terra, os quais são personagens também do que escrevo.
Hoje, por exemplo, acordei pensando no Tio Antônio Deca. Era um homem forte, cheio de vitalidade, trabalhava com o sobrinho que adotara como filho; o Preto. E por várias vezes, acompanhando a Tia Cota, tomamos café juntos e acompanhei detalhes de sua conversa entrecortada por recordações. Recordações mais recorrentes era a esposa, Eugênia Réus e a única filha que tiveram, a Joaquina.
Ainda lembro-me da saída do féretro de Eugênia para o cemitério de Vila Nova. O caixão preto foi colocado em um carro de bois e seguiu pelo caminho, (não havia ainda a BR101) para a pequena capela de São Miguel.
Tio Antônio Deca debruçou-se na janela e ficou soluçando, enquanto meu avô tentava consolá-lo.Eu, nos meus cinco aninhos de idade, fiquei deveras assustada.
Depois, meu avô me levou para casa e conversou longamente comigo sobre a morte e as desventuras. A casa ficara vazia naquele dia. A morte da filha já havia antecedido a da mãe. Só a irmã Eugênia, a quem chamavam de Genoca, também viúva, acompanhou a tristeza daquele homem que viveu a viuvez até os últimos dias de vida.
Tio Antônio Deca morava às margens da BR 101. E, lembro que quando iniciou o trabalho da abertura da estrada, com o nome de Federal, ele reclamou bastante porque teve o terreno cortado pela rodovia. Seria necessário atravessar a pista com o carro de bois e meu tio temia que fosse uma missão perigosa, devido ao movimento que a rodovia prometia. Em nenhum momento as pessoas pensavam no desenvolvimento que haveria, mas na perda de um pedaço do terreno de lavoura. E trabalhou até os últimos dias da vida, acompanhado da irmã e dos sobrinhos.
Numa tarde, na longa mesa acompanhada de bancos, na cozinha da casa do Tio Antônio Deca era servido um café com aipim e amendoim cozido, quando ele deu um longo suspiro e comentou: - Ah, minha prima, se a Eugênia estivesse aqui vocês teriam muito o que conversar. Não sei como ainda visitas este teu velho primo? A modo que parece que não tenho mais porque viver neste mundo....
Tia Cota animou ao homem e pediu-lhe um pedacinho de terra para plantar alhos. Ele sorriu, sorveu com força (como costuma fazer) o café da xícara e respondeu-lhe: - “Dou-lhe o terreno preparadinho e tu trazes o alho e plantas. É sempre bom que a mulher plante o tempero e não o homem. Quem pari um filho faz germinar bem s sementes. Depois eu capino e te aviso quando deves colhê-lo”. Assim ela fez, só que logo em seguida adoeceu, nós mudamos de Mineração (Bairro Aurora) para Sanga Funda e não vi mais o Tio Antônio Deca.
Até que na quinta-feira, voltando da rádio comunitária, desviamos pelo Barracão e passei próximo da entrada de sua casa. Veio-me na lembrança a velha porteira onde hoje desemboca uma rua sem fim, com várias casas e, consequentemente, várias famílias ali residindo. A velha morada, mudada e vendida para outras pessoas, ainda guarda vestígios do pomar plantado a mais de um século pelas mãos do saudoso Antônio Deca, um dos primeiros moradores do lugar.
Talvez poucos dos moradores lembrem-no, mas ninguém amou tanto a este bairro como ele amou. À memória dele, o nosso reconhecimento!
Até a próxima edição com mais um assunto...

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