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quarta-feira, 18 de agosto de 2010

COLUNISTA - Elza de Mello


Nuances de Vidas em Crônicas (57)

Desci a Rua Vitória e, próximo ao trilho da malha rodoviária, entre o anúncio da temperatura, li a frase: Içara rumo aos 50 anos. Meditei sobre a frase e calculei o contingente que soma uma idade secular, especialmente as localidades povoadas no percurso da distribuição dos imigrantes açorianos: Urussanga Velha, Terra Firme, Lombas Pedreiras, Faxinal, Lagoa dos Esteves.
Revi mentalmente toda a rota que movimentou o avanço dos lagunenses e luso-açorianos na conquista do Rio Grande do Sul. E quando o meu pensamento evocou a localidade de Lagoa dos Esteves, lembrei-me dos livros que li sobre os assentos de batismos da Freguesia de Nossa Senhora Mãe dos Homens, no Arquivo Eclesiástico da Mitra Metropolitana. E, como um pensamento puxa o outro, revivi o impacto emocional que a pesquisa me causou com certas descobertas e outras confirmações da pouca certeza. Afinal sou içarense de certidão de nascimento e de imenso amor telúrico, o que me faz amável de minhas raízes e admiradora dos antepassados. Mas no que tange a escrita, sou incansável procuradora das comprovações fidedignas. Refuto qualquer afirmação baseada em achismos e que muitas vezes mexem com o emocional das famílias envolvidas.
Pois bem, meu devaneio foi freado e a leitura feita em um livro de assentos do batismo de escravos aflorou. Entre 1860 até 1888 houve assentos de escravos pertencentes as famílias que residiram em Içara, nas localidades litorâneas. Mas a surpresa maior foi encontrar na família de José Ignácio do Nascimento, a escrava Maria que deu à família três crias pardas e já amparada pela Lei do Ventre Livre: João, Miguel e Nicolau. Meu bisavô, Manuel Ignácio do Nascimento viveu e deixou os filhos na localidade de Ausentes e usando os sobrenomes I-nácio ou Nascimento, nunca mencionaram qualquer presença de escravos para o trabalho da família. Agricultores, pescadores, artesãos exímios, eram apegados à tradição dos ancestrais, especialmente nas manifestações de fé. Conheci o fandango de promessa em louvor a São Gonçalo na casa do tio-avô Ângelo, que havia prometido pela cura de uma das filhas que contraiu a poliomielite. A promessa, segundo tio Ângelo, foi tão bem aceita que a menina ficou completamente curada. Familiares e vizinhos acorreram à manifestação para que a promessa fosse paga.
Outra tradição sagrada para os Ignácios (abrasileirado para Inácio) ou Nascimento era o boi de mamão e a Cantiga dos Reis. Tão forte era a fé na Cantiga dos Reis que Manuel Ignácio do Nascimento pediu que levassem o corpo à sepultura ao som da rabeca. Ele queria que o cortejo participasse de uma Cantoria de Reis e que não houvesse choro e lamentos, somente a alegria de poder agradecer ao criador com uma bela louvação ao nascimento do filho de Deus humanizado na família de José e de Maria, a família de Nazaré. Todos participavam com muita fé e respeito.
Minha emoção foi ao ápice quando reconheci a procedência dos cuidados com as roupas e o sapatinho de cetim que Inocência Clara de Jesus falava de sua terra e do trabalho em que ela participou pela primeira vez. Depois, entre a selva e olhares dos selvagens, suas recordações foram sendo ignoradas e refutadas como fruto de caduquice. Precisou que uma neta de terceiro grau encontrasse entre os registros, a prova de uma origem de prosperidade adormecida na humildade em que meus ancestrais viveram. Se havia admiração pelo caráter íntegro dos Inácio Nascimento, houve muito mais reconhecimento de sua atuação na formação de nossa gente içarense com a contribuição de Juvêncio, Ortêncio, José, Ângelo e Otávio que seguiram a tradição do pai, Manuel Ignácio do Nascimento e nos legaram com uma vida de comprometimento com nossa terra e com nossa gente.
Até a próxima edição com mais um assunto de interesse cultural dos içarenses!!!

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