Um relato histórico é o que dona Doralice Vicente dos Santos, conhecida como dona Deda, nos deixou.
Nascida em Jaguaruna, mais precisamente no Morro Bonito, ela era neta de Vicente, que veio como escravo da família Goulart.
No Morro Bonito tinha um porto, com uma casa e uma chácara enorme, com todas as variedades de frutas, propriedade do casal Manuel e Bernardina Marques. Sem filhos, eles criaram uma menina branca, e tinham um número de escravos considerados, ali viviam os irmãos da mãe da Dona Deda: Adão, Zé, Jacinta, Hilário e Eva. Construída em um lugar elevado, a casa era considerada uma mansão. Ali pousavam bispos e padres que visitavam Jaguaruna, num tempo em que não havia ainda a praça atual.
Dona Deda falou que Manuel e Bernardina fizeram um testamento em favor dos escravos, pois antes do falecimento já havia sido proclamado a Lei Áuréa. Mas o casal não havia se desfeito dos escravos, e tentavam deixá-los em segurança, e sem dividir as terras. Então um sobrinho que morava em Garopaba veio até a casa dos tios, pediu os documentos, no que foi atendido pelo ex-escravo de confiança, o Zé. Ele então e requereu para si todo o patrimônio. Houve uma questão que durou anos, passou de pai para filhos.
Os casais estavam já estabelecidos em suas casas, com sua família e serviram ao Manuel e a Bernardina mesmo depois de livres, baseado no documento. Mas depois de algum tempo a Justiça de Tubarão deu ganho de causa aos brancos. Os negros foram dispersos e procuraram outras casas para servir e outras terras para trabalharem de arrendatários. Outras gerações procuraram as minas, especialmente na cidade de Criciúma.
O pai de Dona Deda foi batizado como “ventre livre”, e ela chegou a conhecer o documento que ele guardava. Os outros irmãos continuaram como escravos. Mas segundo seu pai, continuou a viver e a servir os senhores Goulart que, segundo ele, eram muito bons, viviam com uma família. O pai visitava regularmente os filhos do seu senhor e também era visitado por eles.
Dona Deda foi casada com o músico da banda de Jaguaruna, e posteriormente de Araranguá, Ciro Bonifácio dos Santos, o qual faleceu jovem, aos 35 anos, deixando-a viúva e com cinco filhos pequenos. Ela trabalhou como costureira e lavadeira, numa fonte onde hoje está situado a Praça de Araranguá. Educou os filhos, inclusive as quatro meninas se formaram no colégio das Irmãs Madre Regina, um Colégio Normalalista, e depois fizeram faculdade em Tubarão, na UNISUL; enquanto o filho, que era o mais velho da família, só fez a quarta série do curso primário e foi trabalhar como arrimo da família.
Dona Deda, falando da consciência negra, diz que nunca teve problemas por ser uma senhora de cor. Sempre esteve entre brancos e pretos, pois a avó paterna era clara. Por outro lado, seu pai ensinou-lhes a entrar na casa dos patrões, ou de outras pessoas, sempre pela porta da frente, falar de igual para igual e a nunca mexer em nada que fosse de outras pessoas. Mesmo que a mãe fosse a ama de leite dos filhos dos patrões, elas nunca entravam pela porta dos fundos, mas como visitas, se precisassem falar com a mãe.
Das tias Jacinta e Eva, Içara tem seus descendentes, enquanto que tio Adão, muito considerado em Jaguaruna, tem filhas e netas como professoras na história de Criciúma, e outras atuando em Araranguá e Tubarão.
Até a próxima semana com mais um assunto.
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