Na última quinta-feira, 25/06/09, por volta das 19h, estava eu aboletado na cama de um quarto de hotel, zipando canais de TV quando, passando pela CNN internacional, vi a apresentadora em tom contrito narrar qualquer coisa em inglês (razão pela qual eu não entendi patavina), enquanto a imagem mostrava uma ambulância no portão de uma mansão. Na parte inferior da tela, letras brancas sobre um fundo vermelho anunciavam: Michael Jackson is dead.
Como não entendo nada de inglês, imaginei que a reportagem estivesse fazendo alusão a alguma nova enrascada do mito pop, tipo assim: Michael Jackson é mortal... é fogo! Não demorou muito para perceber que a pobre língua inglesa estava informando que Jackson estava morto.
Confesso a vocês, leitora e leitor, que fiquei surpreso com a notícia. Afinal, ele estava agendando shows pela Europa. Mas, agendando ou não, Michael Jackson nos lembrou que a vida é fugaz, ligeira, e a metáfora figurativa que apresenta a morte como uma ceifadora é perfeita. Ela ceifa sem distinção, o que é bom! Bom porque se assim não fosse a corrupção comeria solta na hora do sorteio.
Contudo, a partir desse instante não consegui assistir mais nada que não fosse a malfadada notícia.
Trezentos canais na net e, tirando os canais infantis, o canal do boi e o de corrida de cavalos, os demais só falavam na morte de Michael Jackson. Tudo bem que o rapaz (quer dizer, ele já tinha 50... só que não notava) foi um ícone pop, revolucionou a música e os clipes musicais nos anos 80; tudo bem que ele vendeu zilhões de discos e bateu recordes, mas daí a relacionarem até uma final de um campeonato de futebol a homenagens ao de cujus, é exagero. Exagero típico de uma imprensa vampira, que suga a vida e a morte.
A partir do instante que Jackson morreu, parece que nada mais aconteceu no mundo (para azar de Farrah Fawcett, aquela loura linda das panteras anos 70, ela morreu no mesmo dia. Resultado, a morte dela apareceu no rodapé da mídia). A mídia enjoativa saiu em desespero atrás de tudo quanto é pessoa que um dia na vida cruzou o caminho do astro pop, e dá-lhe matéria, dá-lhe entrevista sem o menor sentido: “Eu estava lá naquele barraco quando ele passou a cem metros de mim... era um anjo flanando pela favela”, dizia uma mulher aprisionada pela lembrança de um longínquo mil novecentos e noventa e qualquer coisa, quando o astro visitou o Brasil. E, por conta daquele encontro, a mulher se tornou prisioneira de uma memória.
Isso sem contar a tolerância irresponsável com atos que, em outras pessoas, são execrados. O padre é um pedófilo sem-vergonha, um carcará sanguinolento, uma peste trajada de gente por assediar crianças. O astro morto, quando acusado de pedofilia, era “apenas” um homem tentando compensar a ausência de infância. Por que raios não foram ver a infância do padre, então, para lhe dar a mesma deferência?????
Michael Jackson morreu. Morreu a pessoa, morreu o corpo. O espírito segue o curso, tentando erigir templos à virtude e cavar sepulturas ao vício. Mas o comportamento superficial, rasteiro tanto da imprensa que alimenta a inutilidade, quanto do povo (nós) que dela nos alimentamos, não dá tréguas ao bem pensar. Ao invés de aproveitar o fato para avaliar a inexorável máquina trituradora de sonhos que é a indústria do entretenimento, vide, como Jackson, as mortes assemelhadas de Elvis Presley, Janis Joplin, Elis Regina, Cássia Eller, Cazuza, etc., vidas destruídas pela imposição de se viver a aparência a qualquer custo. Ao invés de darmos voz ao senso crítico para aferir se tal modelo é útil de alguma forma ao mundo, estragamos tudo com a superexposição do cadáver, com o desfile de frivolidades, de depoimentos deprimentes de milhares de pessoas histéricas por um fato que, se lhes diz respeito enquanto comunidade humana (a morte do semelhante) não lhes faz a menor diferença no que respeita ao curso de suas vidas (não deveria).
Michael Jackson morreu... mas, infelizmente para ele, morreu faz tempo.
Até a próxima semana.
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