O vento gelado não deixava dúvidas de que estávamos vivendo o Inverno. Especialmente, o primeiro dia de Inverno.
Era de manhã cedinho, e eu estava vindo pela rua Anita Garibaldi. Lembrei de meus dias de estudante no Ginásio Normal Dom Jaime de Barros Câmara. Era a rua Anita Garibaldi que eu percorria até o Colégio Estadual Antônio João (hoje Salete Scotti dos Santos). Lembrei de meus colegas de curso, alguns bem mais fixos em minha memória. Outros já se diluindo pelo distanciamento das vivências. São lembranças benvindas, com certeza.
Bem... ao atravessar a Rua Vitória, olhei para o Supermercado Moniari, lembrando o Mercado do Pedro Casagrande, que em nossa adolescência supria bem a freguesia da rua. A lembrança do sorriso de dona Palmira parece que iluminou a manhã gelada.
Entre o pote da manteiga caseira e a costelinha de porco, da hora, dona Palmira atendia às senhoras que supriam a mesa com a refeição matinal e já preparavam o almoço. Seu Pedro lhe fazia companhia e as crianças pegavam certo no horário em que não estavam na escola. Não era feio e nem proibido os pais conduzirem os filhos ao trabalho, no albor da vida.
Então quando cheguei à próxima esquina, tomei a direita e passei para a Rua São Donato, e dali à Rua Duque de Caxias. As árvores espalhavam a última florada, nas lajotas que revestem a rua, já fragilizada pelo frio. Espiei entre os arbustos e o meio-fio da calçada, e avistei no alto o educandário Cristo Rei.
Veio-me a lembrança de um tempo em que a rua era sem revestimento algum. O trilho da ferrovia cortava a rua e havia sempre as manobras do trem carvoeiro, que chegava ou saía, com os vagões carregados para os portos. Parece que ainda podia avistar o seu Doro a abrir a portinhola da caixa do embarque do carvão e, acima, os caminhões manobrando e descarregando o escuro minério na caixa. Seu Dorvino, seu Botinha (Ataíde Serafim), seu Salvino eram os motoristas que nas idas e vindas da mina à caixa de embarque do carvão, davam carona aos alunos e também aos professores que se dirigiam à outras comunidades para lecionar. Não havia horários de coletivo para suprir a demanda do horário escolar. Eram os motoristas da empresa carbonífera que davam este suporte aos educandos e educadores de Içara.
Tão profunda era a minha recordação que tive medo de acordar as pessoas que já dormem o sono da eternidade. Mas as saudades falaram mais alto e parece que eu ia tropeçar nos dormentes do trilho, quando despertei do devaneio ao som de uma buzina. Não era o tão conhecido apito do trem, era uma buzina de automóvel que me alertava. Desperta, não encontrei mais a paisagem que se descortinava a poucos instantes.
O que pude presenciar foi a mudança das três últimas décadas. Eu também já não era a menina daquele tempo.
Faltava, a poucos metros dali, a casa sempre cheia de aromas dos doces da dona Lora. Não havia também o vai-e-vem da juventude para os treinos no campo do Caiçara. Fechado entre muros, o Caiçara fica fora da visão dos caminhantes e fãs de um tempo em que tínhamos a visão nos craques da turminha: o Rogério, o Valdir, o Heitor (Valvassori), o Rafael (Mazzuchello) o Tarcísio, o Lembreia (Casagrande), o Ginho do Berdardinho, e vai por aí à fora.
A fachada da Casa do Rock, imponente e obtusa, me fez lembrar de que vivemos um tempo diferente. É o tempo de novas construções, onde o alicerce do que vivemos é a argamassa mais sólida na cultura de nossa gente, e na paisagem de nossa terra.
Até a próxima semana com a continuação deste assunto.
Nuances de Vidas em Crônicas (Parte 1)
Nuances de Vidas em Crônicas (Parte 2)
Nuances de vidas em crônicas (Parte 3)
Nuances de Vidas em Crônicas (Parte 4)
Nuances de Vidas em Crônicas (Parte 5)
Nuances de Vidas em Crônicas (Parte 6)
Nuances de Vidas em Crônicas (Parte 7)
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