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quarta-feira, 1 de setembro de 2010

COLUNISTA - Elza de Mello



Nuances de Vidas
em Crônicas (59)


Há certos fatos corriqueiros que nos dá motes para a ora-lidade: o dizquediz-que tão costumeiro na sociedade, as saudades de tempos idos, as conversas de amigas e, de quebra, se torna assunto de uma boa crônica para os letrados, ou os cata-letras como costuma falar o meu marido.
Pois bem, como vivemos em sociedade, há todo um acordo tácito de boas regras de convivência e de solidariedade. As regras foram se modificando ao longo do tempo, assim como os compromissos de amizade, as devoções, as visitas e outras formas que aprendemos com nossos pais, que já haviam aprendido com os pais e que se perpetuavam por gerações. Hoje já nos emocionamos quando presenciamos o compromisso de alguém com estas regras convencionadas em um tempo mais distante, sobretudo quando nos é diri-gida. Isto me faz lembrar os versos de Cora Coralina: eu sou aquela mulher que ficou velha/ esquecida/ nos teus larguinhos e nos teus becos tristes/ contando estórias/ fa-zendo adivinhação/ cantando teu passado/ cantando teu futuro. Parece que vivemos em um tempo esquecido.
Na tarde de sábado recebi a visita de uma amiga e conversamos sobre saudades, coisas corriqueiras de duas içarenses que nutrem carinho pelas suas raízes. Minha amiga pretende presentear os netos com uma edição infantil, contando memórias do biso das ditosas crianças. Isto só as avós corujas e as filhas amorosas sabem construir e imortalizar no processo mágico da criação literária. Admirei o gesto de minha amiga e soube o quanto a avó é compromissada com a educação. É a forçado adágio popular: quem foi rei não perde a majestade. Minha amiga além de mãe e avó foi professora e sabe o que encanta uma criança, especialmente como contar uma história a uma criança.
Ao mostrar-me o projeto, houve toda uma informação sobre a movimentação urbana de Içara nos anos 50/60 que eu desconhecia. Havia o horário mais esperado, a chegada do trem à estação. Moleques vendiam doces e salgadinhos, as pessoas iam e vinham retirando as encomendas que chegavam ou recebendo as pessoas. Era um movimento esperado com carinho pela população da época. Se pessoas que viveram não souberem transmitir às novas gerações, certamente elas ficarão esquecidas de todo. Houve também a evocação dos cinemas içarenses e dos salões de bailes. A função do cinema foi ocupado pelos DVDs e os salões foram substituídos pelas danceterias, especialmente a Casa do Rock, no Centro de Içara.
Poderíamos passar todo o resto da tarde a falarmos das coisas que marcaram nossa terra e nossa gente, mas minha amiga lembrou que estava indo ao Balneário Rincão e que o marido lhe esperava no carro. Então ao se despedir me repassou um mimo que me deixou emocionada. Era uma embalagem com docinhos caprichosamente feitos por ela, e este o maior valor do presente. Olhei as mãos rosadas e novamente lembrei Cora Coralina: ...mãos doceiras.../jamais ociosas./Fecundas. Imensas e ocupadas./ Mãos laboriosas./abertas sempre para dar,/ ajudar, unir e abençoar. Fiquei deveras emocionada com o gesto amigo. As gerações passadas tinham este cuidado ao visitar alguém. O corre-corre dos dias atuais apagou a prática tão linda para quem recebe. Cora Coralina nos presenteia com a descrição desta boa-maneira em Goiás: tinha sido o aniversário daquela senhora/uma sua amiga tinha lhe mandado, à moda do tempo, bandeja de doces/...doces em calda: figo e caju.
É...há muitas semelhanças nos versos de mães e avós poetas, mas as diferenças ficam por conta do contexto social. Cora salienta as pedras que precisou quebrar para plantar as flores da vida: entre pedras que me esmagavam/ levantei a pedra rude/dos meus versos. E vivendo em um contexto diferente, podemos nós viver todas as mulheres que somos capazes de encanar: a filha, a mãe, a esposa, a avó, a doceira, a cozinheira, a poetisa.... para prender as lembranças e poder reparti-las com as futuras gerações. Temos terra fecunda e somos semeadoras de jardins perenes.
Até a próxima semana com mais um assunto...

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