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quarta-feira, 6 de abril de 2011

COLUNISTA - Elza de Mello



Aquém dos trilhos Vidas em Crônicas (11)

Estamos vivendo mais um período de Quaresma e recordamos que é tempo de conversão, de perdão, de fraternidade, de comu-nhão com a vida e com o irmão. Hoje, pensar em fra-ternidade parece ser um a-to de reflexão em tempos especiais como a da Qua-resma.
No dia-a-dia a maioria das pessoas ocupam-se com suas ilusões, seus so-nhos de consumo, suas mesmices. Parece que, a-tualmente, as pessoas vi-vem com pressa, olham e não veem, no seu dia-a-dia, os vizinhos, os paren-tes, os desalentados, os excluídos, os injustiçados, os descamisados.
Só com as manchetes mostrando o lema da Campanha da Fraternida-de é que muitas pessoas se dão conta da frieza de seus relacionamentos.
Tomo uma entrevista feita com Dona Isauti-na Custódia de Jesus, a Velhinha, a-quela que deu o nome da Lagoa da Velhinha, à-quele recan-to da Lagoa dos Esteves, que até os dias de hoje é lotada de gente na tem-porada de v erão.
Na época, Dona Isautina, tinha 99 anos. Ela nasceu em 1888, tempo que ainda havia escravidão negra no país e alguns negros forros na localidade. Nascida na Rua do Fogo, Jaguaruna, a Velhinha veio acompanha-da dos pais, tinha sete anos de idade, e vieram para trabalhar com lavoura de mandioca, ali na Lagoa dos Esteves, Distrito Balneário Rincão, em Içara.
A Velhinha nos falou de uma vida comunitária e-xistente entre os morado-res, capaz de encher a alma, das pessoas atuais, de nobreza: “quando alguém pescava, distribuía peixes para quem não teve tempo de ir ao mar; quando al-guém precisava de uma mão de obra, os moradores se reuniam e em mutirão desenvolviam o trabalho atrasado; em caso de doen-ças, cada vizinho se pron-tificava a socorrer a neces-sidade do amigo ou paren-te. Vivia-se realmente o a-mor ao próximo”, afir-mou a Velhinha, ainda tão lúcida, no alto dos seus 99 anos de idade.
Um fa-to estra-nho à Velhinha foi a mu-dança na vida humana, es-pecialmente a mudança de valores. Ela sentia as pes-soas atuais como frias, e es-sa frieza lhe trazia a recor-dação de seus antepassa-dos: o calor humano, a gra-tidão pela vida, o carinho com que as pessoas mais antigas se acercavam e di-vidiam com quem conheci-am. Ela reclamava que es-tando com uma verdadeira multidão que passava pela lagoa, se sentia “só num chão que me pertence, to-dos pisavam e ninguém me conhece”. É o lado triste da solidão de um idoso, o re-verso da riqueza experi-mental que ela nos repas-sava, com sua bondade.
Dona Isautina conheceu muito bem o desenvolvi-mento da região, especial-mente a pro-dução da fa-rinha de mandioca, a pioneira no primeiro ci-clo de pro-dução econô-mica da regi-ão. A farinha era transpor-tada para o porto de Ga-ropaba em grandes car-retões puxa-dos por vári-as juntas de bois e, posteri-ormente para a estação do KM 47, em Içara.
Apesar do esforço físico dispensado na lavoura e na industrialização da mandi-oca - a farinha -, ela reforça que foi a base de tudo. A farinha “fez os grandões de Içara ganhar dinheiro” e os produtores ficarem ligados com a despesa do ano.
Mas “as pessoas não ti-nham preguiça e saldavam as suas contas com altas safras”.
Dona Isautina, a saudosa Velhinha viveu os seus cem anos de vida sempre lutan-do o “Bom Combate”. Na sua quietude de mulher idosa, de esposa silenciosa e de mãe presente, ela con-tribuiu para o engrandeci-mento de nossa terra e para a formação de nossa gente aquém dos trilhos do trem, levando o sobrenome Ar-ceno para a posteridade.
Hoje, seus filhos e netos vivem, na maioria, no Centro de Içara, sendo que a lagoa é usada para os dias de lazer.

Até a semana que vem com mais um assunto de nossa terra, nossa gente.

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