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quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

COLUNISTA - Elza de Mello


Nuances de Vidas em Crônicas (25)

Era final de inverno. A primavera esperava impaciente para valsar, com os pés aveludados, nos ramos das árvores despidas pelos ventos de inverno. O final de tarde estava silencioso e quieto, nem uma leve aragem tocava as inúmeras árvores que margeavam a Rodovia Jorge Fortulino. O sol já se escondera no poente, encoberto pelos morros que faz limites entre a faixa litorânea e a planície central.
Uma luz difusa escorregava entre as nuvens avermelhadas. Ao volante estava minha filha, quieta e concentrada na distância a ser percorrida. O momento dava lugar às recordações que guardo do lugar que tão bem conheci desde a minha infância. Íamos à Capela de São Jorge em uma visita pastoral do Movimento da Mãe Peregrina.
Passamos pelo Resort Bongaville, Parque Verde, Lago Azul e Campestre Lagoa dos Esteves. Até então parecia que estava tudo normal. Não percebi tanto a impressão das muitas mudanças dos últimos tempos. Mas quando passamos da morada de Antônio Arceno, algo me chamou a atenção e me fez retornar às origens do povoado. A visão que tínhamos da Capela de São Jorge foi apagada pelo grande Condomínio do Pontal da Lagoa. O muro em volta do condomínio escondeu o pátio onde outrora os ônibus e caminhões, estacionados, mostravam o número dos fiéis que procuravam pela festa do padroeiro. Ir à festa era quase um compromisso de quem havia nascido no lugar. E esse compromisso da romaria à festa do santo São Jorge fornecia um encontro entre gerações, era metaforicamente falando, um abraço fraterno. O gramado verde que descia até o cafezal que cercava a lagoa,e que ficava salpicado de pessoas que iam e vinham durante véspera e dias de festas, estava fechado entre os muros e as casas. Este espaço não pertence mais aos que procuram as lembranças de outrora. Hoje é um espaço privado.
As árvores nativas que sombreavam as beiras do gramado, e que serviam como convite para o almoço festivo, foram mudadas por árvores exóticas e floreiras. Tudo muito diferente da paisagem de tempos passados. Da igreja já não se contempla o espaço verdejante, mas os inúmeros telhados vermelhos de cerâmicas.
Chegamos! E, pasma, eu percebi que as portas da capela, tão acolhedora, estavam fechadas. Só a voz da missionária me trouxe à realidade. Ela falounos que entrássemos para que as portas fossem fechadas. E falando isso apontou para as paredes da capela onde avistei uma nuvem escura de moscas pousadas. Indaguei da presença tão indesejada, e ela explicou-me que o zelador do condomínio havia colocado adubo orgânico (cama de aves) na grama. A intenção era fortalecer o solo arenoso para que o gramado tomasse vida para o próximo verão. Era uma espécie de manutenção, na época de entrada da primavera, para ter um jardim bem colorido. Mas o fedor e o efeito das imundícies eram constrangedores e desagradáveis para todos. E assim, fizemos nossas orações à portas fechadas. Um encontro muito bem conduzido pelas incansáveis missionárias que procuram, com fé e perseverança, cultivar os resquícios de uma cultura dos pais e avós. Era um terço das rosas e as crianças presentes participavam com amor e devoção. Por certo agradou a Mãe e Rainha.
Na volta, já com o escuro da noite, vim observando as luzes do Rincão. Um estendal de luzes faiscava em toda a orla, dividida entre a rodovia pelas águas das lagoas. Era como uma imensa árvore de Natal que se confundia com as estrelas no firmamento. As sombras de árvores, contra a escuridão da noite me mostram a morada de meus avós maternos, e as saudades se avivaram ainda mais em minha alma. Parece que o mundo todo parou com a minha contemplação de um tempo íntimo, que só eu poderia sentir por conhecê-lo.
Pessoas queridas povoavam minhas recordações...

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