Pedro chegou em casa, mais cedo que de costume; deu com Marta, sua esposa, sentada no sofá, olhando o vazio, em que pese estar diante da televisão ligada, porque mantinha sempre alguém falando em casa, fosse tv, fosse rádio, desde que não fosse ela própria. Marta tinha pavor de ouvir a si própria.
Pedro sentou-se ao lado da esposa, tomou-lhe o controle remoto das mãos, e mudou direto para o canal de sempre, ainda que tivesse 180 canais à disposição. Resmungou qualquer coisa, apenas para cumprir uma formalidade. Alegou fome, apesar da barriga proeminente; alegou cansaço, apesar de resumir as obrigações à jornada normal de trabalho; alegou irritação com a corrupção, apesar de nunca ter movido um dedo, uma unha, para expurgar corruptos e corruptores de seus nichos.
Marta devolveu o resmungo com outro, alegou falta de qualquer coisa dentro de casa, apesar de não ter mais onde colocar caixinhas; alegou alguma traquinagem das crianças, apesar de não perceber, como mãe, que crianças devem agir como crianças, e não como bibelôs, que ela tanto queria para impressionar o mundo. Falavam baixo, quase para si mesmos. Não se olharam. Havia muito tempo que não se olhavam. Em verdade, em verdade, Pedro e Marta não se conheciam. Tinham medo!
Apesar de sentados lado-a-lado, evidenciavam uma distância tal que caberia um continente entre eles. Pedro ia rememorando, com os olhos fixos na tv, as promessas de juventude, as propostas de amor eterno à Marta; a ideia de ser um grande profissional; as viagens que faria, como as que via na tv; a boa impressão que causaria aos pais, aos amigos de infância e até mesmo naquela namoradinha que lhe deu o primeiro passa-fora, quando fosse apresentado como Pedro, o homem que deu certo.
Marta apegava-se à ideia de sentir amor, de ser amada. Não um amor real, mas um amor de novela, de filme. Queria porque queria ser preenchida, integralizada. Queria ser entronizada como o centro do universo de um homem que ela amasse e que a amasse. Mas, queria isso tudo pronto. Pronto e acabado. Amor, para Marta, era sentimento que dispensava esforço. Havia só um problema. Marta precisaria que aquela pessoa que ela amava, lhe amasse também, e sem fazer esforço para isso. Tarefa ingrata, essa!
E assim estavam, Pedro e Marta, sentados lado-a-la-do, em silêncio amargo, pensando: “porque não consegui ser feliz???”
Nunca lhes ocorreu de olharem para o lado, de olharem-se nos olhos um do outro e, lá no seu íntimo, refazerem a mesma pergunta: “Porque ELA não é feliz?” “Porque ELE não é feliz?” não com o sentido de liberarem-se, abandonarem-se à própria sorte. Mas com o sentido de respeito e atenção pelo outro.
O casal estava preso na lógica de ser feliz à custa do outro e não com o outro. Nunca construíram uma cumplicidade. Tudo o que liam, tudo o que ouviam, tudo o que viam era sempre sob a ótica da justificativa, algo tipo “viu, eu tenho razão”, como se ter razão diminuísse a dor de cada um. Nunca praticaram amor, porque, a despeito das crenças de Marta, e da indiferença de Pedro, o amor é sim fruto de esforço. Pedro não expressava o esforço em tentar amar Marta, e Marta achava que tentar amar não era o mesmo que amar, portanto, não valia a pena tentar. Melhor amargurar.
Há muito tempo, Pedro pediu Marta em casamento, e Marta aceitou. Casaram-se, mas esqueceram de se unirem. Compraram casa, mas não tinham lar; viajaram, mas nunca ousaram honrarem-se com uma viagem de um para dentro do outro. Pedro e Marta não eram felizes, não por culpa das forças do Universo, mas pela singela razão de que nunca tentaram.
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