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quarta-feira, 17 de novembro de 2010
COLUNISTA - Elza de Mello
Nuances de Vidas em Crônicas (68)
A chuva miúda lavava o asfalto ainda em fase de conclusão. A rodovia parecia uma longa faixa preta, perdida ente a grama das pastagens e as lavouras verdes e vi-çosas. Assim ela avança para o Barracão de onde segue para Mineração, ou pela BR 101. E pensar que a poucos anos era quase um caminho onde os carreteiros levavam a farinha dos engenhos para ser embarcada no trem, ou os tropeiros passavam com as tropas para abastecer os açougues da Mineração, de Içara e de Criciúma. As tropas vindas de Vacaria (RS) passavam, inevitavelmente, por aquela estrada. A mesma por onde os cargueiros passaram com o carvão para ser analisado no Rio de Janeiro. Era preciso ir pela estrada do mar até Laguna e de lá era embarcado em navios para a Província. A estrada foi também o único caminho para o Balneário Rincão até a década de 70 e assim, é possível analisar o valor daquela simples e antiga rodovia que hoje ganha um revestimento asfáltico até a ponte do Rio dos Porcos, ainda na Sanga Funda. E assim, conversando com meu o marido, ele passou a falar da estrada de seu tempo de menino:
“Quando eu era pequeno gostava de ficar no terreiro de nossa casa, a olhar o movimento do dia nas lidas do en-genho. Um dia eu estava no terreiro quando parou um cavaleiro e perguntou-me: - Guri, por acaso o teu pai se encontra em casa? E eu bem depressa chamei pelo meu pai que assomou à porta para atender ao cavaleiro que cumprimentou-lhe com o chapéu ente ao peito. Um sinal de respeito. E então ele pediu poso para a manada e os os tropeiros. Queria pernoitar no engenho e precisava deixar o gado reunido para no dia seguinte partir. O pai autorizou-o a pernoitar e ele tocou o berrante, chamando pelo ponteiro (peão) que havia se distanciado com a tropa. Ele então reuniu o gado e deixaram presos no piquete, com alguma ração e água fresca da sanga. Depois, tiraram os arreios dos cavalos, colocaram o gancho e acenderam o fogo de chão. No gancho colocaram a chaleira de ferro cheia de água e, para espanto meu, eles retiraram de uma lata umas folhas secas e fizeram um chá. Fiquei assombrado quando vi aquela porção de folhas secas sendo usado como chá e, na cuia, ser repassada entre os peões. Enquanto esperavam o charque assar no brasido, e o arroz ficar cozido, Seu Souza, o homem que falou comigo, e que mais tarde soube ser o patrão, conversava animadamente com os homens. Meu pai a-companhava a conversa quando ele retirou uma arma de fogo e disse que foi com aquela arma que o seu pai pelejou na grande revolução entre Picapaus e Maragatos. Inclusive, falou que agora a arma era utilizada para defender-se das emboscadas. Era notório que voltaria com o dinheiro da venda dos animais.
A chuva caiu violenta naquela noite. O gado, inquieto, ficou no piquete enquanto os homens, com os pelegos, fi-zeram as suas camas. Seu Souza falou que aquela, provavelmente, seria a última viagem tropeando. Sentia-se velho, e a distância judiava do corpo de um cavaleiro, por horas seguidas no lombo de um cavalo. Já avisara aos pe-ões que na volta, faria o caminho embarcado. Era justo se poupar um pouco, afinal tinha o desejo de rever a estância, e nela repousar os últimos dias da velhice.
Durante a noite ainda se ouviu o gado mugindo e os cachorros latindo. Depois o menino dormiu o sono inocente de todos os meninos. Quando levantou, os homens se preparavam para partir. Passariam pela Mineração (hoje Bairro Aurora) e seguiriam para as operárias mineiras. Apertou a mão do dono da casa, cumprimentou as mulheres com o chapéu contra o peito, saltou para o lombo do cavalo e assoviou para o cão, que saltou para a anca do cavalo, e seguiu de carona. O berrante tocou logo depois que a madrinha da tropa saiu, e o gado foi tomando forma, levantando poeira enquanto avançavam na distância enquanto o menino quedou-se a olhar”.
O menino cresceu, hoje um pai de família com filhos formados, mas, nunca esqueceu àquela cena no caminho que atualmente toma dimensão de uma rodovia asfaltada. Nossa terra vai se transformando, e nossa gente participando das novas invenções com uma pontinha de saudades, na distância que a vida avançou....
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