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terça-feira, 17 de março de 2009

COLUNISTA - Walterney RÉUS: De Mamon para Deus

Ia a semana que antecedia ao natal. Estava eu sentado num banco de praça lá em Tubarão, aguardando a hora para fazer uma palestra num Centro Espírita, quando me dei conta do número de carros de som que transitavam por ali “vendendo” o natal. Gritarias anunciando quinquilharias de toda ordem. Uma em especial me chamou a atenção. Um carro de som anunciava: “Loja São Fulano, fazemos milagres para você. Cheque só para Abril”. Lembro bem que ouvia aquela proposta de endividamento e pensava com meus botões: “Abril também vai chegar”. Pois não é que chega, leitora e leitor?

Eis que Abril está aí, batendo à porta, e muitos daqueles incautos consumidores de natal, que correram desesperados para comprar presentes com cheques SÓ para abril, agora se deparam com aquele canhoto pendente na contabilidade doméstica. E o presente talvez nem exista mais, talvez nem se faça mais gosto dele.

Sempre que chega o natal, chega junto a reflexão sobre os reais valores da vida. Por mais que ele esteja encoberto pelo manto do consumo, lá no fundo de nós alguma voz insiste em ressoar, pedindo passagem, como a dizer que não queremos ir para onde estamos indo. Este mundo voraz da materialidade. Essa mesma voz diz que é hora de transitar de Mamon para Deus, é hora de transcender.

Leonardo Boff, pensador de nossos dias, com a voz suave típica daqueles que já são, que já transitaram da matéria para o espírito, fala com profundidade dessa luta árdua, desses dois cães que lutam na arena de nossa alma, que é o conflito entre o que somos e o que queremos ser. Digo “fala” porque é um CD, um livro CD, titulado: Tempo de transcendência. Em determinado trecho, ele faz alusão à Lucy, aquela primata que desceu das árvores há milhares de anos e enfrentou a árida savana africana. Lucy transcendeu, fez a opção difícil de enfrentar o deserto, a dureza da natureza adversa. Por conta disso estamos aqui, seres pensantes, evoluídos, conscientes. Seus irmãos, que ficaram abrigados na abundância da floresta, que se acomodaram nos galhos das árvores, continuam lá até hoje, primatas.

Jesus, aquele que É, sabia que chegaríamos neste momento, neste instante em que teríamos de descer da árvore do materialismo, para atravessar o deserto inóspito das conquistas espirituais, da transcendência. Então, ele nos deixou, como sempre, a letra para a qual devemos compor, cada um, a própria música. Na letra que deixou, Jesus diz: Ninguém pode servir a dois senhores: porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro; ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir simultaneamente a Deus e a Mamon.

A letra mata, o espírito vivifica. Lendo de relance, temos a impressão de algo impossível de ser praticado por nós que habitamos um mundo de relações essencialmente materiais. Em verdade, o Cristo não anunciou que desprezássemos a vida material. Isso seria defender a irresponsabilidade, a vagabundagem. A chave da questão está na palavra simultaneamente. De fato, ao dizer que não podemos servir de modo simultâneo a dois senhores, Jesus adverte que, como em tudo na vida, devemos hierarquizar nossos princípios, nossas vontades, nossas ações. Tendo em mente quem tem prioridade, podemos tocar a vida com tranquilidade, trabalhando tanto o ambiente material (necessário e útil), quanto o ambiente espiritual (razão final).

A melhor forma de conseguir aclarar qual dos dois senhores tem a palavra final, é através da prática da caridade (Tadinha da palavra, vilipendiada, perdeu o sentido). Isto porque a caridade é a ação humana, senão a única, que vincula as almas. Ao praticarmos a caridade, na acepção do termo, entramos em contato com as mais diversas dores, o que nos ajuda a dar a verdadeira dimensão à vida espiritual, e a colocar a vida material no seu devido lugar. Enquanto adorarmos Mamon, todos sofreremos, porque nossa relação com tudo que nos cerca será de posse; Quando transcendermos para Deus, nossa relação com tudo será de partilha. Nesse instante haverá paz em nós, e não teremos mais celeiros, porque cada grão plantado será partilhado. Utopia??? Então tá, sigamos pelo confortável caminho do consumo, para ver o que vai dar.

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