As manifestações religiosas nas comunidades içarenses deram margem à fé, primeiramente, e depois ao encontro social. Onde houvesse a preparação para um evento religioso, havia também a união da comunidade. Tomo aqui o tempo da quaresma como exemplo de participação comunitária. Era comum, no período que antecede a Semana Santa, as rezas da via-sacra. Todas as quartas e sextas-feiras, rezava-se em frente às estampas das estações, expostas na parede da capela, e que marcam o martírio e a crucificação de Jesus Cristo. Havia as orações e a cantiga em que narrava toda a via-sacra do Filho de Deus. E por menor que fosse a comunidade, as vias-sacras eram celebradas com a presença quase unânime dos moradores.
Era realmente uma manifestação de fé e de temor a Deus. Parece que expiávamos pelos pecados contra o Divino Filho de Maria. Hoje ainda há as rezas das vias-sacras, porém com pouca presença.
Os encontros de famílias tomaram o lugar das vias-sacras e já refletem sobre os pecados sociais atuais: as desigualdades sociais; a falta de solidariedade e de orações na família; o consumismo exacerbado e a desunião dos lares; entre outros pecados. O jejum e a abstinência da carne na Semana Santa não são mais observados. Há diversos discursos religiosos e comerciais para determinar a celebração da Páscoa. O sentido lato da palavra Páscoa foi mudando com a evolução do comércio em nossas localidades.
As rezas nas localidades eram, segundo pesquisa oral, bem mais branda que a devoção dos católicos das Ilhas dos Açores. Lá, além das práticas religiosas nas capelas, havia também as peregrinações. Eram indispensáveis romarias pelas comunidades de cada ilha. Entre orações e sacrifícios, pedia-se pela graça de não haver os abalos de terra tão comum no arquipélago açoriano. Então, aproveitava-se o período da quaresma para a peregrinação, dirigida sempre por um romeiro que mediava toda a caminhada, inclusive era ele que se dirigia às casas para pedir algum pão, ou água a os acompanhantes do sacrifício quaresmal. Aqui, segundo nossos ancestrais, não havia o temor pelos abalos de terra, embora este medo só fosse desaparecendo pelas gerações seguintes, quando ficou comprovado, por algumas décadas, a inexistência dos tremores e abalos de terra em Santa Catarina. No entanto, algumas manifestações ainda são encontradas como a caminhada da Sexta-Feira Santa, em quase todas as localidades da paróquia São Miguel, de Vila Nova, em Içara.
A caminhada da Paróquia São Donato vem polarizando os fiéis que percorrem do Bairro Aurora, saindo da capela Santa Bárbara, para a Matriz São Donato, no Centro da cidade de Içara.
Já está se tornando uma tradição, pois, a cada ano, soma mais caminhantes de outras localidades, ao evento socio-religioso.
Algum resquício da tradição sempre permanece, como se fosse uma chama de fé e de apego à cultura popular. E esta chama vai trazendo mais e mais aderentes, mostrando o poder da cultura em nossa formação religiosa.
Falar de eventos religiosos nos nossos municípios de base luso-açoriana é falar de fé e de crença. Todo o calendário social estava em sintonia com o calendário religioso. O ano litúrgico era o fator determinante para as práticas de produção econômica e religiosas.
A religiosidade dava ênfase à vida social das comunidades litorâneas de nossa terra e de nossa gente. E o período da quaresma era um tempo de fé fervorosa na ressurreição e na vida eterna.
É preciso acender a chama da fé para a cura dos males do século. A Igreja faz este convite e reforça a cada caminhada da penitência. É preciso saber ouvir!
Até a próxima semana.
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