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quarta-feira, 8 de abril de 2009

COLUNISTA - Elza de MELLO: A cultura em todos os tons (5)

As manifestações religiosas da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo expressam muito da cultura de base açoriana, nas comunidades litorâneas.

A presença do povo à Caminhada da Paixão; o despertar bem cedo para colher a marcela do campo, ainda molhada de orvalho; a malhação do Judas; tudo isto é manifestação de fé e também resquício da tradição secular das etnias colonizadoras de nossa terra. Não há quem não se comova com a encenação da crucificação.

É transcendental a emoção que sentimos pela passagem da via crucis. Não poderia ser diferente para aceitarmos e partilharmos do Pão transubstanciado.

Escutamos ou assistimos, através dos meios de comunicação, a farra do boi como sendo uma manifestação de base açoriana. Um fato estranho a nossa tradição da AMREC. Nunca tivemos a tal farra do boi. A Semana Santa era de tanto respeito que na Sexta Feira Santa nem era permitido ordenhar as vacas ou as cabras. Deixava-se o bezerro mamar e não se trazia leite para casa. Até na hora do almoço da Domingo de Aleluia não era permitido refeição com carne vermelha. Somente o peixe era levado à mesa. Não faço ideia do que diriam os ancestrais se vissem ou ouvissem a tal da farra do boi.

Em nenhum momento podemos identificar a tal farra do boi como uma manifestação açoriana. O que acontece nas ilhas açorianas são as touradas do boi à corda. Nunca se ouviu dizer que torturar uma rês fosse uma farra, e sim uma covardia. Quanto a tourada do boi à corda, nós encontramos entre os içarenses, como o boi na vara, e brincada, de preferência nas festas de oragos. Quaresma era de abstinência, orações, jejuns e o período de conversão através das confissões, do perdão.

No Sábado de Aleluia havia a malhação do Judas. Esta manifestação era esperada por todos, especialmente pelos jovens e crianças, que se deliciavam em maltratar um boneco feito com roupas de um dos rapazes e enchido com palhas de bananeiras, palhas de milho, ou outro vegetação possível.

A cabeça feita de porongo e com um chapéu de palha, dava o formato do homem, que na realidade simbolizava o traidor de Cristo. Logo pela manhã encontrava-se o judas enforcado em um poste, ou em uma árvore. Retirava-se o Judas que era trazido para a rua, e a gurizada juntava em torno da figura folclórica. Cada um malhava o Judas conforme a sua astúcia. No final, roto e perdendo os enchimentos de palha, o Judas ia se desprendendo em pedaços. Estava vingado o traidor de Cristo. Não esperávamos por chocolates, muito menos os ovos de páscoa que decoram os supermercados e enchem os olhos da população. Porém havia sempre uma mesa bem servida, com frutos do mar, de preferência da Praia do Rincão; verduras da horta de casa e a satisfação de respirarmos um clima de alegria pela ressurreição de Cristo. Era como se vivêssemos o fato cristão. Não havia diferença entre adultos, jovens ou crianças. Todos participavam da mesma compaixão e da mesma alegria na Ressurreição.

Os tempos mudaram, é verdade. A tecnologia inovou o progresso iniciado pela revolução industrial. Mas, o que foi repassado através da cultura, fica latente por muitas gerações. Não há quem não se manifeste quando conversamos sobre fatos passados e o reflexo atuais. Todos sempre tem uma contribuição, um temperinho para contribuir com o imenso cardápio da cultura popular.

Içarense, que a Páscoa da Ressurreição seja vivida no seio da sua família.

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