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terça-feira, 25 de agosto de 2009

COLUNISTA - Walterney RÉUS: Eu Posso Pagar

Li a notícia de que Ivete Sangalo vai fechar todo um andar de hospital para poder fazer o parto do filho. Que beleza! Num país com escassez de leitos, fechar um andar inteiro para uma pessoa fazer o parto do filho. Dirão uns: “Áh!!! Mas o hospital é privado, portanto não está afetando a demanda do SUS, da pobralhada”. Dirão outros: “Ela pode pagar, o dinheiro é dela, faz dele o que bem entender”. Dirão outros mais: “Ela não é uma pessoa comum. É uma celebridade. Precisa de privacidade, senão invadem o quarto.”

Aí é que está, minha cara leitora, meu caro leitor. A questão é mais essencial que a superficialidade de se poder pagar pelo que se quer, ou, de ser uma celebridade, ou ainda, de o hospital não atender SUS. A essência da questão está na grave inconsciência que a ação de Ivete reflete, posto que essas disparidades que se podem comprar, esses absurdos (porque se achar no direito de cerrar um andar inteiro para fazer um parto é de assustar pela pretensão de ventre grande PELAMORDEDEUS... é um filho... que por mais amado que seja – bom pra ele – não vai poder usar mais que uma cama, ainda que seja o primeiro berço king-size do mundo).

Isso é a mediocridade da grandiloqüência. Parece que já que nem a barriga, nem o nascituro podem ser mais do que as medidas impostas pela natureza, que o seja o gigantismo da chamada: Quero o andar todo.

Seguindo na mesma linha de atender egos descontrolados, tem uma publicidade do Banco Real rolando na mídia que destaca o chamado “Cliente Van Gogh”. Num comercial, uma voz masculina narra que durante o dia fez esta e aquela atividade, participou desta e daquela reunião e, ao fim do dia foi para casa e, após um banho reconfortante, um jantar agradável, teve tempo de ser o príncipe encantado da filha, antes de a colocar para dormir. A cena que corre é de um homem com boa aparência em uma bela casa, apagando a luz do quarto da filha. Então, ele arremata dizendo, mais ou menos assim: “Depois de tudo isso, tive tempo de ligar para o gerente de meu banco e trocar informações sobre ações, compras, vendas, etc... Então, percebi o valor de ser um cliente Van Gogh”. Peraí, Cara pálida!!! E o gerente?!?!? Não é pai, não tem filho, filha para contar estórias, não tem hora para jantar? Não!!! Porque ele está recebendo para não ter hora, para ficar à disposição do cliente preferencial, porque o cliente preferencial pode pagar!!! Ou seja, criaram o Eunuco.com.

A lógica desnaturada é esta: eu posso pagar!!! Não há mais reflexão sobre a hierarquia das coisas, dos valores, das prioridades. Podendo pagar, pode comprar, pode perverter, pode desconstruir.

Andei vendo uns dois jogos do Flamengo, contra o Corinthians e contra o Grêmio (este só o primeiro tempo... graças a Deus). Nos dois jogos o Adriano, que, salvo engano, ganha mais de R$ 180 mil por mês (ou seja, ele ganha por mês o que milhares e milhares de torcedores do Flamengo não vão ter de patrimônio, trabalhando a vida inteira), enfim, o Adriano andou perdendo os chamados gols feitos (expressão errada, se eram feitos, não podiam ser perdidos).

Mas, o pior não era um jogador que ganha cento e oitenta mil reais por mês (um escândalo, uma absurdidade) perder gols que, por ofício, deveria fazer, o pior era ouvir o comentarista dizer assim: “Olha! A defesa tá marcando bobeira, porque o Adriano é um cara que perde um, dois, três gols, mas na quarta tentativa ele marca”. PELAMORDEDEUS... na quarta tentativa até eu marco. Foi aí que percebi que estamos tão anestesiados, tão sem noção, que manchetes como essa da Ivete Sangalo fechando andar de hospital para ganhar o filho; de banco fazendo comercial de que mantém um gerente eunuco a disposição de cliente preferencial para atender ligações no varar da noite, ou, de um jogador de futebol que ganha tubos de dinheiro ter o direito de errar três, quatro vezes naquilo que, em tese, ele ganha os tubos por não errar nenhuma, enfim, atitudes, publicidades, erros assim, não nos dizem nada. E, por não dizerem nada, estão desconstruindo valores que nos dizem muito... muito mesmo.

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